sábado, 21 de fevereiro de 2009

o lutador: carneiro indomável

"Queria dizer a todos aqui essa noite que estou muito agradecido por estar aqui. Muitas pessoas disseram que eu nunca lutaria de novo, e é tudo o que faço. Sabem, quando se vive uma vida dura e um jogo duro e queima sua vela dos dois lados paga-se o preço por isso. Nessa vida pode se perder tudo o que ama, e todos que te amam. Eu não ouço tão bem quanto antes e esqueço coisas. E não sou mais bonito quanto era, mas maldição, continuo aqui, sou Ram! O tempo passa e falam: Ele devia parar, está acabado, é um perdedor, um desacreditado. Sabem, os únicos que me dirão quando encerrar minha ação, são vocês aqui."

O monólogo acima é dito pelo personagem de Mickey Rourke, Ram, em determinado momento do filme. Não é apenas a descrição perfeita para Ram, mas também para o seu intérprete. A carreira de Rourke deslanchou na década de 80, mas ele decidiu se dedicar por algum tempo ao boxe, virou vítima constante de tablóides e passou por dezenas de cirurgias - além de seu envolvimento com drogas. A sua carreira afundou. Começou a viver pelas glórias passadas - afinal de contas, era descrito como um galã em ascenção, no seu tempo. Talvez por esse triste fato que O Lutador funcione tão bem.

Não é um filme comum. Não é Rocky, Um Lutador. Muito pelo contrário. Ram se aproxima muito mais do Jake La Motta de Robert De Niro em Touro Indomável do que o personagem vivido por Stallone. E esse é o maior acerto do filme, pois Ram é um personagem triste, agressivo quando precisa e sensível a seu próprio modo. O seu passado dita as suas ações, tomado por esse sentimento de perda. Perda de que? Da família? Da fama mundial? Essas perguntas podem não ser respondidas corretamente, mas isso não importa. Aos poucos, vamos entendendo seu personagem. E é mérito da performance arrebatadora de Rourke. Nunca sabemos quem o ator está interpretendo: se é Ram ou ele mesmo. A assustadora realidade é tão próxima que nunca nos demos conta de quem é mesmo a história que vemos na tela.

O estudo do personagem de Rourke não pode ser feito se não tivesse a sua própria Adrien. - infinitamente mais interessante e construída. No caso, interpretada por Marisa Tomei. Tal como o lutador, a stripper Pam também começa a perceber o peso da idade, principalmente ao ser comparada com a mãe de um dos clientes. A química entre ambos é fundamental para o filme, tanto para o desenvolvimento dos dois personagens quanto para a complexidade que ele evoca. Ora, se vemos em uma determinada cena Ram observando os seus velhos companheiros de autógrafos se apoiando em seu passado, sem mais nenhum futuro na vida, na seguinte Pam percebe que seu trabalho não é mais para ela em uma simples volta ao clube. E a excelente atuação de Marisa Tomei contribui ainda mais para isso: basta perceber os seus olhares para as outras strippers ou apenas a sua última dança no palco.

Entretando, algo muito importante para este estudo é a própria filha de Ram: Stephanie. Apesar de não participar efetivamente no longa, ela aparece somente nas cenas próprias. E Evan Rachel Wood faz o seu melhor nessas poucas cenas, fugindo de qualquer clichê de relação complicada entre pai e filho, graças ao seu talento. Ao invés de se comportar apenas como uma garota rebelde e que escapa de todas as tentativas de ser conquistada por seu pai, Evan Rachel Wood mostra Stephanie como uma garota magoada, triste, e se antes a sua raiva pelo seu pai vai diminuindo cada vez mais, ela é capaz de estourar com o medo do lutador a abandonar novamente. Já que mencionei a relação com o pai, vale lembrar que mais uma vez a química que Rourke tem com mais essa personagem feminina é essencial.

E por fim, o diretor Darren Aronofsky completa o estudo com a sua impecável direção. Se em seus outros trabalhos ele já havia mostrado a sua coragem e facilidade para desafios (Pi, Requiém Para um Sonho e Fonte da Vida), aqui ele mostra todo o talento que tem ao realizar não só mais um filme sobre lutadores, mas uma pequena obra-prima. Uma obra complexa. Mistura de superação, amor, redenção e vitória. E cada um dos páragrafos acima enfatizam cada um desses temas, respectivamente. Vitória do diretor Aronofsky por ter o mérito de fazer um brilhante filme com tão pouco orçamento.

A cena final, em que Ram entra no ringue ao som de "Sweet Child O'Mine", de Guns's Roses, é antológica. Toda a cena final, impactante. E Mickey Rourke tem todos os créditos disso. Se era o que ele precisava para redimir a sua carreira, ele conseguiu. Ele é o verdadeiro lutador, afinal.

O Lutador
The Wrestler, 2008
Direção: Darren Aronofsky. Roteiro Original: Robert D. Siegel. Elenco: Mickey Rourke, Marisa Tomei e Evan Rachel Wood.


P.S.: O filme não tem um final cheio de respostas, portanto não espere assistir a um longa bonitinho, encantador e com um final todo certinho. Ele é um filme denso, profundo e bastante complexo. É um daqueles que tem que entrar no psicológico dele pra entender bem.

P.S.²: Não posso deixar de comentar a injustiça de não ter sido indicado ao Oscar de Filme. Bom, ainda vou ver todos os candidatos e falarei aqui. Mas já adianto: é melhor que Benjamin Button - e eu gostei bastante do filme de Fincher.



3 comentários:

Anônimo disse...

Nossa esse filme deve ser beem legal

Wallace Andrioli Guedes disse...

É o filme do ano até o momento, belíssimo. E foi uma pena o Rourke ter perdido o Oscar, ainda que desconfie que Sean Penn em Milk também vá me encantar ... E vc está totalmente correto quando diz que o filme tem muito mais a ver com Touro Indomável do que com Rocky.

Jackson disse...

Vejo que as nossas opiniões são antagónicas, mas para mim, The Wrestler fora dos piores filmes do ano, e o desempenho de Rourke não merecia sequer uma nomeação ao Óscar.

Abraço